Justiça autoriza mudança de gênero em registro civil de transexuais que não realizaram transgenitalização

Tem crescido, na Paraíba, o número de Ações de Retificação de Registro Civil movidas por pessoas transexuais, com o objetivo de modificar o gênero contido na Certidão de Nascimento. O direito vem sendo concedido mesmo que a pessoa trans não tenha realizado cirurgia para mudança de sexo, conhecida como transgenitalização. Só na tarde dessa quarta-feira (4), o juiz titular da Vara de Feitos Especiais da Capital, Romero Carneiro Feitosa, realizou nove audiências envolvendo o assunto, com o deferimento de todos os pedidos.

O juiz explicou que, nos casos em que o transsexual já foi submetido à cirurgia para modificação do seu sexo, a jurisprudência, há tempos, já admitia a alteração, não só do nome, mas também do gênero registral. E que, recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) alargou o entendimento, permitindo a mudança também do gênero, sem a necessidade de transgenitalização. Nos novos casos, as partes já obtiveram a alteração judicial de seus prenomes e pretendem, agora, alterar o gênero no documento.

O magistrado titular da unidade equivalente em Campina Grande, Marcos Aurélio Pereira Jatobá Filho, também tem recebido casos desta natureza. Em suas decisões, que autorizam a mudança de gênero, o juiz fundamenta, a partir de estudos da Psiquiatra e da Psicologia, que há um descompasso entre o sexo anatômico e o psicológico do indivíduo transexual.

Também a juíza Michelini de Oliveira Dantas Jatobá, quando atuou na Vara de Feitos Especiais de Campina Grande, em decisão proferida em 2016, autorizou a mudança do gênero masculino para o feminino de uma pessoa trans, argumentando que a cirurgia de transgenitalização não deve ser apreciada como um requisito indispensável para a retificação do gênero no documento.

A magistrada disse, em sua decisão, que “fechar os olhos para os constrangimentos aos quais vem sendo submetida a autora, implicaria numa ofensa sem medida ao princípio da dignidade da pessoa humana”.

Ao decidirem, todos eles afirmam que sexo e gênero não se confundem. “O sexo é físico-biológico, caracterizado pela presença de aparelho genital e outras características que diferenciam os seres humanos entre machos e fêmeas. O gênero, por sua vez, refere-se ao aspecto psicossocial, ou seja, como o indivíduo se sente e se comporta, frente aos padrões estabelecidos como femininos e masculinos a partir do substrato físico-biológico”.

Acrescentam, ainda, que, conforme estudos psicológicos, a identidade psicossocial prepondera sobre a identidade biológica, ou seja, o indivíduo vive o gênero (feminino/masculino) ao qual se sente pertencer.

“Explicam os psiquiatras que os transexuais não são pessoas de um sexo que desejam se tornar de outro; psicologicamente, elas já são do sexo oposto ao biológico, o que gera o transtorno da identidade sexual”, argumenta o juiz Marcos Jatobá Filho, em uma de suas decisões.

Ao autorizar a mudança do gênero no documento, sem a necessidade de cirurgia, os magistrados afirmam que a remoção, a reconfiguração dos órgãos genitais ou a sua reconstituição anatômica não podem ser impostas como condição para a mudança no registro civil, visto que os transexuais são pessoas com a psiquê oposta ao sexo genotípico.

“A permanência de um descompasso entre o nome e o gênero no registro civil rouba-lhes a dignidade no viver, na medida em que os relegam à condição de subcidadania, visto que não podem viver, em sua plenitude, a identidade social que ostentam”, pontuam.

Em conformidade com a jurisprudência, os magistrados estabelecem, em suas decisões, que cabe ao ordenamento jurídico o papel de garantir ao indivíduo transexual a sua plena inserção na sociedade em que vive, por meio do respeito à sua identidade sexual. E que a
a ausência de dispositivos legais que regulamentem a alteração da certidão de nascimento em casos de transsexualidade não deve ser um óbice para a concretização dos direitos e garantias fundamentais, previstos pela Constituição.

Em relação a divergência de entendimentos sobre o assunto, o juiz Romero Feitosa diz: “Ainda não houve uma mudança legislativa; houve o asseguramento pelo Poder Judiciário do Brasil deste direito à cidadania para as pessoas trans. Existe uma jurisprudência dominante neste sentido”.

Para o magistrado, ainda há questões relacionadas ao assunto, a exemplo do cálculo de tempo para aposentadoria, por exemplo, que necessitam de muita reflexão jurídica, não existindo, até o momento, uma jurisprudência neste sentido.

 

DICOM

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