O ministro Herman Benjamin, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), garantiu a Maria Luiza da Silva, reconhecida como primeira transexual dos quadros da Força Aérea Brasileira (FAB), o direito de permanecer em imóvel funcional até o julgamento do recurso que discute sua aposentadoria integral no posto de subtenente.
No ano 2000, após cirurgia de mudança de sexo, a militar foi reformada apenas em razão de sua condição de transexual, ato já considerado ilegal pelas instâncias ordinárias. A história de Maria Luiza é contada em documentário do cineasta brasiliense Marcelo Díaz, que estreou no ano passado.
Em 2019, ela recebeu comunicação para desocupar o imóvel no prazo de 30 dias, sob o fundamento de que já teria sido implantada sua aposentadoria integral – requisito fixado pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) para a saída do imóvel – no posto de cabo.
Postura discriminatória
Entretanto, ao analisar um agravo interposto por Maria Luiza em medida cautelar, o ministro Herman Benjamin considerou que sua aposentadoria na graduação de cabo contrariou determinação judicial que lhe reconheceu o direito de alcançar o último posto do quadro de praças – o de subtenente. Além disso, o ministro entendeu existir potencial risco à militar caso ela seja obrigada a desocupar o imóvel em um prazo curto e sem solução definitiva da controvérsia judicial, que já dura 14 anos.
“À vista disso, é inconcebível dizer que a agravante está recebendo a aposentadoria integral, pois lhe foi tirado o direito de progredir na carreira, devido a um ato administrativo ilegal” – afirmou o ministro, acrescentando que ela “continua sendo prejudicada em sua vida profissional devido à transexualidade”.
O ministro destacou também que a militar ficou anos sem a aposentadoria, mesmo a referente ao posto de cabo. “É uma coincidência significativa ter ocorrido esta ‘implantação’ anômala e totalmente prejudicial à aposentadoria justamente após a estreia do documentário longa-metragem Maria Luiza, no qual é relatado todo o drama vivido pela agravante e é desnudada a postura absolutamente discriminatória sofrida. A película corre o mundo fazendo sucesso de crítica”, disse Benjamin.
Aposentadoria forçada
A Aeronáutica considerou a transexual incapaz para o serviço militar após a cirurgia de mudança de sexo, com base no artigo 108, inciso VI, da Lei 6.880/1980, que estabelece como hipótese de incapacidade definitiva e permanente para os integrantes das Forças Armadas acidente ou doença, moléstia ou enfermidade sem relação de causa e efeito com o serviço militar.
Em primeira instância, o juiz considerou o ato de reforma ilegal e, em razão da impossibilidade de retorno à ativa – a militar havia ultrapassado a idade-limite para o posto de cabo, de 48 anos –, determinou sua aposentadoria com proventos integrais. Entretanto, o magistrado não mandou a Aeronáutica realizar os registros de promoção por tempo de serviço a que a militar teria direito se não tivesse sido reformada por ato declarado nulo.
Ao julgar a apelação da transexual, o TRF1 entendeu que deveria ser reconhecido seu direito às eventuais promoções por tempo de serviço no período em que esteve ilegalmente afastada da atividade, pois foi considerada, para todos os efeitos, como em efetivo serviço. Além disso, o tribunal reconheceu o direito de a militar permanecer no imóvel até a efetiva implantação da aposentadoria integral, momento em que deveria desocupá-lo.
Posteriormente, a Aeronáutica negou o pedido de aposentadoria como subtenente, alegando que as promoções não dependeriam exclusivamente do critério de antiguidade e já havia sido implantada a aposentadoria no posto de cabo.
Direito legítimo
Em sua decisão, o ministro Herman Benjamin assinalou a importância de garantir a permanência da militar no imóvel funcional até que seja restaurado o direito à aposentadoria integral com todas as promoções por tempo de serviço.
O ministro apontou que os elementos juntados ao processo demonstram que a militar cumpriu a idade para a obtenção da aposentadoria e os requisitos das promoções decorrentes de sua reincorporação ao serviço na condição de excedente, além de ocupar o imóvel de forma legítima.
Para Benjamin, retirá-la da casa enquanto ainda se discute o seu direito à aposentadoria no posto de subtenente revela clara transgressão ao que foi decidido nas instâncias ordinárias e frustra a expectativa legítima de uso do bem, assegurado pelo TRF1.
“Uma vez que a agravante, no momento, é aposentada como cabo engajado, necessário concluir o seu direito em permanecer no imóvel até que seja decidida a aposentadoria integral no posto de subtenente. Ademais, forçoso concluir que lhe é devido o reembolso do valor imposto como multa por ocupação irregular”, declarou o ministro ao dar provimento ao agravo.