Início Brasil Prefeito de Curitiba quer multar quem distribui comida a sem-teto

Prefeito de Curitiba quer multar quem distribui comida a sem-teto

 

A Prefeitura de Curitiba encaminhou à Câmara Municipal, na segunda-feira (29/3), um projeto de lei que pretende regulamentar a doação de alimentos para a população em “situação de vulnerabilidade e risco social” na capital paranaense. A iniciativa prevê multa para quem distribuir comida sem autorização da gestão municipal.

Segundo a prefeitura, a iniciativa pretende criar um marco regulatório, chamado Mesa Solidária, para garantir eficiência e adequação sanitária na distribuição de alimentos para a população mais vulnerável.

De acordo com a proposta, quem “distribuir alimentos em desacordo com os horários, datas e locais autorizados”, “não utilizar a devida identificação e autorização” ou “descumprir as legislações sanitárias vigentes” pode ser punido com multa no valor de R$ 150,00 a R$ 550,00.

Em carta aberta, o Movimento Nacional da População de Rua (MNPR), diversos sindicatos, vereadores de Curitiba e organizações não governamentais (ONGs) classificaram o projeto como “absurdo”.

“Fomos surpreendidos por este projeto de lei absurdo, atitude leviana do Governo Municipal e daqueles vereadores que coadunam com a ideia de tentar coibir aqueles que fazem o que podem para atenuar o sofrimento alheio. Em meio a tantos problemas, tantas demandas não cumpridas, tantas possibilidades efetivas de resolver de forma eficaz o problema, a atitude é esta: proibir e penalizar quem faz”, diz trecho da carta.

Em contrapartida, a Associação Brasileira de Bares e Casas Noturnas (ABRABAR) e o SindiAbrabar (Sindicato das Empresas de Gastronomia, Entretenimento e Similares de Curitiba) apoiam a iniciativa da prefeitura. Segundo as diretorias das entidades, as ações governamentais devem orientar as melhores condições e ações efetivas na distribuição de alimentos.

Um requerimento feito pela Prefeitura para que o projeto de lei fosse votado em regime de urgência foi retirado de pauta pelos vereadores, nesta segunda-feira, e ele deve seguir pela tramitação habitual.

Mesa Solidária

O projeto disciplina o trabalho de distribuição de refeições por entidades particulares, baseando-se em princípios de ação social responsável.

As propostas do marco regulatório são baseadas em práticas já adotadas pelo Mesa Solidária, conjunto de ações desenvolvidas pelo município nos últimos anos que se transforma, pelo projeto de lei, num programa formal da cidade.

Desde 2019, as ações desenvolvidas pelo Mesa Solidária resultaram em mais de 280 mil refeições gratuitas distribuídas em espaços públicos – todos em boas condições de higiene, limpos e confortáveis – para população socialmente vulnerável, como pessoas em situação de rua e desempregados.

Com a chegada da pandemia de covid-19, o Mesa Solidária foi ampliado.

“O projeto de lei tem o objetivo de contribuir para o cumprimento de um direito constitucional, que é o direito humano à alimentação adequada, principalmente para as pessoas em vulnerabilidade social”, explica o secretário municipal de Segurança Alimentar e Nutricional, Luiz Gusi.

O Mesa Solidária é uma ação conjunta de órgãos da Prefeitura – como Secretaria Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional (SMSAN), Fundação de Ação Social (FAS) e Secretaria Municipal de Defesa Social, que cedem espaços e apoio logístico – além 40 entidades parceiras, entre instituições religiosas, organizações não-governamentais (ONGs) e movimentos de apoio às pessoas em situação de rua, que adquirem, preparam e servem os alimentos.

Organizar as ações

Gusi explica que o marco regulatório propõe coordenar melhor as ações na área, mapeamento e cadastrando entidades fora do poder público que integram o “ecossistema social de segurança alimentar” de Curitiba.

“A participação da sociedade civil organizada é assegurada, mas precisa ser regulamentada e seguir as boas práticas de segurança alimentar para evitar riscos biológicos, químicos e físicos a um grupo populacional já exposto a agravos de saúde, que são as pessoas em situação de rua”, diz o secretário.

Desperdício

O marco regulatório também tem como objetivo reduzir o desperdício ou a carência de alimentos decorrente das ações realizadas pelas entidades. “Os casos de ofertas em excesso de refeições, por exemplo, resultam em acúmulo de resíduos orgânicos e rejeitos nas vias públicas, contribuindo para proliferação de pragas e vetores urbanos. Ou seja, há riscos à saúde da população em situação de rua”, justifica.

Gusi lembra que a Prefeitura de Curitiba vem atuando fortemente no apoio à população mais necessitada. Além das refeições gratuitas do Mesa Solidária, os Restaurantes Populares oferecem refeições subsidiadas a R$ 3,00. Nos últimos quatro anos, foram 4,6 milhões de refeições. Além disso, desde junho de 2020, pessoas em situação financeira instável por conta da pandemia da covid-19 passaram a comprar nos Armazéns da Família que oferecem gêneros alimentícios e itens de higiene e limpeza 30% mais baratos que no varejo.

Carta aberta

“O sr. Prefeito de Curitiba, alinhado à parte da câmara de vereadores, propôs um projeto de lei ordinária, para votação em caráter emergencial, que pune as organizações da sociedade civil que oferecem alimentação gratuita nas ruas da cidade.
Ao olhar a proposição, ela se torna muito clara em seu âmago: desde os primeiros meses de 2020 (precisamente no mês de março), ainda no início da crise que se estabeleceu pela pandemia do COVID-19, as organizações da sociedade civil estiveram na linha de frente do cuidado da população em situação de rua, sobretudo, de duas maneiras: 1) instruir e colaborar com o governo municipal em relação às demandas da população em situação de rua frente ao desafio da pandemia/quarentena; 2) auxiliar com a oferta de alimentação, em caráter emergencial, roupas, cobertores e itens como máscara e álcool gel.
As demandas eram simples e diretas: abertura dos restaurantes populares para oferta de alimentação gratuita para a população em situação de rua, abertura dos banheiros públicos existentes na cidade, oferta de água potável em pontos estratégicos, oferta de serviços que possibilitassem o cadastramento de pessoas em situação de rua ao auxílio emergencial, manutenção dos serviços destinados ao segmento, ampliação de vagas para possibilitar a condição de resguardo e quarentena do máximo de pessoas possíveis.
De todas estas demandas, nenhuma delas foi atendida. A prefeitura fez, a seu bel prazer, aquilo que lhe pareceu coerente com seus planos e possibilidades, com um diálogo inócuo com a sociedade civil organizada e com os movimentos sociais.
Em meio à crise generalizada e o aumento grotesco da demanda, em virtude do fato de cada vez mais pessoas procurarem os mesmos serviços destinados à população em situação de rua, a crise se estabeleceu em definitivo. As filas aumentam cada vez mais, as organizações e movimentos sociais não dão conta dessa demanda, muito menos a prefeitura municipal.
É neste contexto que fomos surpreendidos por este projeto de lei absurdo, atitude leviana do Governo Municipal e daqueles vereadores que coadunam com a ideia de tentar coibir aqueles que fazem o que podem para atenuar o sofrimento alheio. Em meio a tantos problemas, tantas demandas não cumpridas, tantas possibilidades efetivas de resolver de forma eficaz o problema, a atitude é esta: proibir e penalizar quem faz.
Somos completamente a favor da oferta de serviços públicos. Nossa demanda é esta desde o começo. Se o governo municipal pretende proibir as organizações da sociedade civil e movimentos sociais que não rezam seus princípios, então que façam por si mesmos de forma integral!
Imediata abertura dos restaurantes populares de forma gratuita e integral!
Oferta de espaços em diferentes locais da cidade para oferta de alimentação!
Vagas individuais para locação social!
Bolsas e aluguel social para quem precisa!
Abertura de todos os equipamentos de banheiros públicos da cidade!
Oferta de água potável em locais diversos da cidade!
Subscrevem a esta carta:
Movimento Nacional da População de Rua – MNPR
Instituto Nacional de Direitos Humanos da População de Rua – INRua
Ação Social Comunidade Levando a Chama
Ajudantes do Bem
Aquecendo Corações – Curitiba
Baque Mulher Curitiba
Café com Fé
Caritas Curitiba
Casa de Acolhida São José
Coletivo Feminista Daisy
Coletivo LGBTI+ Liberte
Comuna – Tendência Interna do Psol
Conselho Regional de Psicologia – PR/08
Cozinha Comunitária do Movimento Nacional da População de Rua – MNPR
CWB Resiste
Desencarcera Paraná
Doar e Receber
Fórum Lixo e Cidadania
Grupo Daniel
Instituto Lixo e Cidadania – ILIX
Intersindical – Central da Classe Trabalhadora
Itinerante Resistência
Juventude Comunista Avançado
Liga Brasileira de Lésbicas
Mandato da Vereadora Carol Dartora
Mandato da Vereadora Maria Letícia
Mandato da Vereadora Professora Josete
Mandato do Verador Renato Freitas
Mandato Goura Deputado Estadual (Membro da Comissão de Direitos Humanos e Cidadania da Assembleia Legislativa do Paraná)
Mandato Vereador Dalton Borba
Mãos Invisíveis
Mãos que Valem
Marcha Mundial das Mulheres
Médicos de Rua – Curitiba
Movimento Esquerda Socialista – PSOL
Movimento Kizomba – Construindo uma nova cultura política
Núcleo Periférico
Partido Socialismo e Liberdade – PSOL
Pastoral do Povo da Rua
PCdoB – Curitiba
Polo Comunista Luiz Carlos Prestes
Projeto Luz
Rango de Rua
Rede de Mulheres Negras – PR
Rede Feminista de Saúde – PR
Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas – PR
SindSaude – Paraná
SINDSEAB
Sindtest – PR
SINPAR – Sindicato dos Nutricionistas do Paraná
Somos Um – Curitiba
Um Lugar ao Sol
UNEGRO – PR
União Brasileira de Mulheres – UBM
União Juventude Socialista – PR
União Paranaense de Estudantes Secundaristas – UPES”

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