Em audiência pública da Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, o embaixador Tarcísio Fernandes Costa classificou como regime de exceção o governo da Venezuela, chefiado pelo presidente Nicolás Maduro, e disse temer um calote no pagamento de dívidas venezuelanas com empresas brasileiras.
“Estamos vendo uma claríssima escalada autoritária no país vizinho, que pode caracterizar a Venezuela hoje como regime de exceção, que afetou a ordem democrática e provocou uma crise humanitária sem precedentes”, disse Costa, que é diretor do Departamento da América do Sul Setentrional e Ocidental do Ministério das Relações Exteriores, o Itamaraty.
Diante de uma audiência formada por deputados, representantes da oposição venezuelana e militantes contrários a Maduro, o diplomata descartou ações imediatas do Brasil contra o governo venezuelano, como o rompimento de relações diplomáticas e sanções econômicas.
Questionado pelos deputados da comissão, ele explicou que o Brasil não pensa em promover sanções contra o governo Maduro por razões humanitárias e não retira definitivamente o embaixador em Caracas como forma de manter o diálogo, garantir os direitos de cerca de 18 mil brasileiros que vivem na Venezuela e para defender o pagamento de dívidas de cerca de 5 bilhões de dólares da Venezuela com companhias brasileiras.
O embaixador admitiu o risco de calote no pagamento das dívidas. “As reservas caíram dramaticamente, e há dívidas de 3,8 bilhões de dólares vencendo em outubro e novembro, com perspectiva de default”, disse.
Violação de direitos
Costa listou elementos que corroboram a conclusão do governo brasileiro sobre o regime venezuelano, como: a violação sistemática de direitos humanos; o desrespeito ao devido processo legal, com prisões sem mandado judicial; a violação da independência e atribuições do Ministério Público, com destituição da procuradora-geral Luisa Ortega Diaz; e indicadores econômicos que mostram crise sem precedente, com falhas na condução macroeconômica.
“Há ainda uma claríssima violação à liberdade de imprensa e um aumento expressivo do número de presos políticos, com 600 detidos por crimes de opinião, uma cifra sem precedente”, disse.
Apesar de o Brasil ter participado ativamente da suspensão da Venezuela do Mercosul, no início do mês, por meio da aplicação da chamada “cláusula democrática” do Acordo de Ushuaia (2012), a posição adotada pelo governo brasileiro é de não intervenção direta no conflito interno que já matou cerca de 120 pessoas desde o ano passado.
“Temos defendido a necessidade de negociação entre governo e oposição. Não há solução para a Venezuela que não seja gestada pelos próprios venezuelanos”, disse Costa.
Opositores acusam
A audiência, solicitada pela deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ), contou ainda com as presenças de dois representantes da oposição venezuelana, Roderick Navarro e Eduardo Bittar, do movimento Rumbo Libertad (Rumo à liberdade), de perfil liberal e contrário ao regime chavista, classificado por eles como comunista.
Os dois militantes são procurados pela polícia venezuelana sob a acusação de envolvimento em roubo de armas do Exército – crime que eles negam e atribuem a perseguição política – e têm denunciado no exterior violações dos direitos humanos cometidos pelo regime de Nicolás Maduro e indicadores sociais e econômicos que, segundo eles, comprovam os prejuízos principalmente para os mais pobres.
“Vivemos escassez de medicamentos, alimentos e, para se alimentar por apenas um dia, é preciso gastar 23% do salário mínimo. São necessários 15 a 17 salários mínimos para comprar a cesta básica e quem mais sofre são as crianças, que morrem de fome nas ruas”, disse Bittar.
Narcotráfico e terrorismo
Os dois acusaram o governo Maduro de relação com o narcotráfico e terrorismo internacional e defenderam menos controle estatal na economia, com abertura econômica para grupos privados.
Navarro apresentou na audiência uma lista de sugestões para o governo brasileiro em relação à Venezuela, entre as quais a expulsão do embaixador da Venezuela, sanções econômicas e uma política migratória solidária como a estabelecida pelos governos da Colômbia e do Peru.
Edição – Newton Araújo