A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, enviou nesta quarta-feira (11) ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) pedido de abertura de inquérito judicial contra o desembargador do Tribunal Regional da 4ª Região (TRF4) Rogério Favreto, pelo crime de prevaricação. Segundo a PGR, ao agir fora de sua jurisdição e sem competência para conceder e reafirmar decisões liminares para que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fosse solto, o desembargador federal – que estava de plantão no último domingo (8) – cometeu infração disciplinar em um “episódio atípico e inesperado que produziu efeitos nocivos sobre a credibilidade da Justiça e sobre a higidez do princípio da impessoalidade, que a sustenta”. Citou ainda evidências de que o magistrado agiu movido por sentimentos e interesses pessoais, tendo praticado uma sucessão de atos dolosos contrários a regras processuais que ele bem conhecia, com o propósito de “colocar a todo custo o paciente em liberdade, impulsionando sua candidatura a presidente da República.” Por essa conduta, Dodge afirma que Favreto pode ter cometido crime de prevaricação, previsto no artigo 319 do Código Penal.
No documento, Raquel Dodge explica que o objetivo da representação não é o ato judicial e sim a conduta do representado que revogava a ordem de prisão de um condenado em segundo grau de jurisdição, que havia sido confirmada em todas as instâncias extraordinárias de modo notório em todo o Brasil. “Os recursos judiciais para tanto são outros, estão previstos em lei e foram adotados no momento processual próprio e com êxito pelo procurador Regional da República perante o Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Outras medidas processuais cabíveis foram requeridas pela Procuradoria-Geral da República ao Superior Tribunal de Justiça”, destacou, após descrever a sucessão de atos ocorridos no último domingo.
Para Raquel Dodge, Rogério Favreto fez parte de uma ação coordenada para libertar Lula. “Tal conduta apresenta elementos de ato ilícito praticado dolosamente com o objetivo de satisfação de sentimentos e objetivos pessoais, tipificado pela lei penal. Lembra ainda que a conduta afronta a ética e a imparcialidade e incluem os atos formais e as insistentes tentativas de subversão da ordem pública, além de violar frontalmente e a um só tempo, normas regimentais do Conselho Nacional de Justiça sobre plantão judiciário; normas regimentais do TRF4 sobre plantão judiciário; autoridade e competência da 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região; autoridade e competência do Superior Tribunal de Justiça; e autoridade e competência do Supremo Tribunal Federal e regras sobre competência absoluta previstas no Código de Processo Civil”.
Raquel Dodge cita aspectos da biografia do desembargador, como o fato de ter sido designado por membros de partido político para os cargos comissionados que ocupou antes de ser designado desembargador e por ter sido filiado ao Partido dos Trabalhadores por quase 20 anos. “Este histórico profissional legítimo ganha relevância específica no contexto da infração praticada pelo representado, pois revela que o estreito e longevo vínculo com o partido político do réu, com sua administração e com a administração de outros próceres do mesmo partido, teve efeito na quebra da impessoalidade da conduta do magistrado”, destacou em um dos trechos do documento.
Estratégia orquestrada – O plantão judiciário – a cargo do desembargador Rogério Favreto – foi utilizado pelos parlamentares petistas Wadih Damous, Paulo Pimenta e Paulo Teixeira como estratégia para conseguirem a libertação do ex-presidente Lula. Para Raquel Dodge, “o objetivo confessado dos impetrantes era afetar a credibilidade do Poder Judiciário, com consequente exposição da ordem pública e do processo eleitoral”.
Em relação à falta de imparcialidade do desembargador, Raquel Dodge diz que ela ficou evidente pela adoção de premissas artificiais e inverídicas para afirmar ter jurisdição sobre o caso e para fazer crer à Polícia Federal que sua decisão era válida e também pela conduta insistente e incomum do representado para fazer a Polícia Federal cumprir com urgência, que chegou a ser marcada em uma hora, sua decisão, para a qual não tinha jurisdição.
Segundo Raquel Dodge, por todas as atitudes, Rogério Favreto, “ desonrou a higidez e a honorabilidade de seu cargo. Ele agiu por motivos pessoais e expôs todo o Poder Judiciário. Agiu de forma parcial e, assim, quebrou uma regra de conduta inviolável para a magistratura, que é a da imparcialidade e da impessoalidade”.
Reclamação disciplinar – A PGR também enviou ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), nesta quarta-feira (11), reclamação disciplinar pedindo a condenação do desembargador Rogério Favreto, do Tribunal Regional da 4ª Região (TRF4), por infração disciplinar. Nesse caso, o pedido destaca que o desembargador – mesmo sem ter competência e autorização legal – se valeu de atos jurisdicionais formais para atingir finalidade privada, quebrando o princípio constitucional da impessoalidade e incorrendo em infração disciplinar”. Segundo a PGR, o juiz agiu com parcialidade e, por isso, violou os deveres da magistratura, conforme previsto na Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman), e afrontou a Constituição Federal.
Na peça, Raquel Dodge salienta que as condutas do desembargador “são infrações disciplinares gravíssimas e devem ser processadas segundo o devido processo legal, com contraditório e ampla defesa”. Diante da repercussão nacional e internacional que a decisão de Rogério Favreto, que concedeu habeas corpus de soltura ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a PGR salienta que ela colocou em “grave risco a credibilidade do sistema de Justiça brasileiro”. Para Dodge, as atitudes de Favreto foram praticadas de forma consciente e persistente ao longo do domingo (8) e, por isso, caracterizam grave falta disciplinar, pois negaram vigência a disposições legais utilizando-se de provimentos judiciais para desfazer ordem em vigor e confirmada por instâncias superiores à do TRF4, mesmo não tendo competência para tal.
“Ao agir deliberadamente sem impessoalidade e com parcialidade, o representado quebrou inexoravelmente um dos três pilares do sistema penal acusatório, vigente no Brasil desde a Constituição de 1988, que é fundado na estrita separação entre as funções de acusar (atribuída ao Ministério Público), de defender (atribuída ao acusado e seus advogados) e de julgar (atribuída ao juiz)”, ressalta a PGR, na peça enviada ao CNJ. A quebra da imparcialidade judicial também afronta um dos principais pilares da democracia, que é a obediência às leis e ao devido processo legal. Além disso, o juiz natural é o único competente para julgar uma causa e este juízo é identificado pela lei.